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22/02/21 - 0 Comentários - por: Renila Bragagnoli

Estatais: 10 julgados relevantes do Tribunal de Contas da União em 2020 envolvendo a Lei nº 13.303/2016: o amadurecimento da aplicação da Lei das Estatais PARTE 02

Renila Lacerda Bragagnoli

Advogada da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba – Codevasf. Chefe da Unidade de Assuntos Administrativos (Consultivo) da Assessoria Jurídica.

Mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Especialização em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP/DF). Autora, professora e palestrante.

 

Considerações iniciais

Em 2020, a Lei nº 13.303/2016, Lei das Estatais, completou 4 anos de publicação e 2 de vigência plena e, já deixando de ser uma Lei nova e desconhecida, contou com manifestações interessantes por parte do Tribunal de Contas da União.

O referido Tribunal analisou os casos submetidos à sua competência envolvendo análise sobre a Lei das Estatais em diversas oportunidades, de maneira que selecionamos os Acórdãos que, ao nosso entender, foram os mais relevantes julgados envolvendo a Lei nº 13.303/2016 no ano de 2020 no TCU.

Os Acórdãos selecionados trataram, em grande monta, de conteúdo atinente às licitações e contratos, mas também houve manifestações envolvendo governança, transparência e compliance, inclusive com realização de fiscalização para averiguar o atendimento das empresas estatais aos ditames da Lei nº 13.303/16, seja no que concerne às questões de gestão, seja no âmbito das contratações. Há, ainda, julgados que reafirmam que os entendimentos consolidados do Tribunal em matéria de contratações públicas, ainda que baseados na Lei n 8.666/93, se aplicam na interpretação da Lei nº 13.303/2016.

Nessa toada, elencamos os 35 julgados expressivos, sem analisar profundamente os Acórdãos. Buscou-se apresentar, de maneira objetiva, um compêndio de jurisprudência do Tribunal de Contas da União no ano de 2020 envolvendo a Lei nº 13.303/2016. Para alguns julgados, no entanto, carreou-se mais trechos extraídos do Relatório e do Voto, por apresentar conteúdo importante sobre a interpretação e utilização dos institutos, visando a fiel aplicação da Lei das Estatais.

  1. Acórdão 971/2020 – Plenário

A Lei 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, também prevê o uso do Sicro como referência para as contratações de serviços de infraestrutura de transportes. Na mesma linha, a recente Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) dispõe acerca do uso do Sicro nas contratações realizadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista das três esferas da República Federativa do Brasil.

Insta salientar que, a partir da edição da Lei das Estatais, o Sicro deixou de ser apenas uma referência de custos federal e se tornou uma referência de âmbito nacional, pois passou a ser de uso cogente para a contratação de obras rodoviárias realizadas por estatais da esfera estadual e municipal.

 

  1. Acórdão 979/2020 – Plenário

  2. Bem se vê que a fumaça do bom direito restou configurada diante dos seguintes indícios de irregularidade:

(a) ausência de justificativas para a adoção da licitação por empreitada integral, a despeito da exigência fixada pelo art. 42, § 4º, da Lei nº 13.303, de 2016;

(b) ausência de projeto básico para a caracterização do objeto licitado, em descumprimento às exigências fixadas para o regime de empreitada integral pelos arts. 42, § 1º, inciso I, alínea “b”, e 43, § 1º, da Lei nº 13.303, de 2016, além de estar em desacordo com os dispositivos do próprio Regulamento de Licitações e Contratações da Caesb (RILC);

(c) ausência de orçamento detalhado para a estimativa do valor do objeto licitado, tendo sido utilizada como referência a simples cotação de preços a partir da aplicação da mediana dos orçamentos elaborados por três empresas, a despeito de ela refletir apenas o preço global do empreendimento, em desacordo com o art. 31, §§ 2º e 3º, da Lei nº 13.303, de 2016, e com os dispositivos do RILC; […]; e

(e) participação de empresas no certame, a despeito de terem contribuído para a formação do preço de referência no objeto licitado, além de uma dessas empresas figurar como integrante do consórcio vencedor, em conflito de interesses e em afronta, assim, aos princípios positivados pelo art. 31 da Lei nº 13.303, de 2016.

  1. Acórdão 4160/2020 – Segunda Câmara

1.7.2.5. detalhe, nas próximas licitações, a Matriz de Riscos de acordo com estabelecido pelo art. 42, inciso X da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), prevendo, especialmente, a listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio econômico-financeiro da avença, e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo quando de sua ocorrência, com a correta assunção de responsabilidade entre as partes com relação à eventual divisão de custos em um possível aditivo;

 

  1. Acórdão 5781/2020 – Primeira Câmara

1.6. dar ciência ao Banco do Brasil S.A., para que sejam adotadas medidas internas com vistas a evitar ocorrências semelhantes, de que a exigência, para fins de habilitação, de que a licitante comprove possuir inscrição ou visto no Conselho Regional Profissional da Unidade Federativa em que será executado o objeto, identificada na Licitação eletrônica 2019/00609, afronta o disposto nos arts. 37, inciso XXI, e 173, § 1º, inciso III, da Constituição Federal c/c o art. 58 da Lei 13.303/2016.

Nesse particular, o recorrente tem razão em elucidar que há algumas diferenças nos propósitos e exigências de habilitação entre a Lei 8.666/1993 e a Lei 13.303/2016. Assim, há de se ter cuidado ao aplicar a jurisprudência já consolidada da antiga à mais recente. Como bem esclareceu o dirigente da Serur, esse ponto é secundário porque não existe uma lacuna na Lei das Estatais acerca dos critérios de habilitação. O artigo 58 do referido diploma legal dispõe sobre essas exigências.

 

  1. Acórdão 1268/2020 – Plenário

13.3. realizar a oitiva da Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A – Eletronorte, com amparo no art. 276, § 3º, c/c art. 250, V, todos do Regimento Interno/TCU, para que, no prazo de 15 (quinze) dias, pronuncie-se em relação aos pressupostos da cautelar deferida, e também quanto aos seguintes pontos relativos ao Pregão Eletrônico para Registro de Preços 15040/2020:

  1. a) recusa da proposta da licitante 3R – Construções e Serviços Eireli, sob o argumento de “prevenção”, contrariando expressamente o disposto no item 4.2 do edital, e, por consequência, o art. 31 da Lei 13.303/2016, bem como a jurisprudência deste Tribunal, a exemplo dos Acórdão 2242/2013-TCU-Plenário (rel. Min. José Múcio Monteiro) , 842/2013-TCU-Plenário (Relator Ministro Raimundo Carreiro) e 266/2019-TCU-Plenário (Relator Ministro Aroldo Cedraz), uma vez que o item 4.2. do edital previa que a recusa poderia se dar com base no art. 87, inc. III, da Lei 8.666/1993 ou art. 83, inc. III, da Lei 13.303/2016, desde que aplicada pela própria Eletrobrás, o que não foi o caso; […];
  2. c) ausência de estipulação, no instrumento convocatório, do modo como deveriam ser ofertados os lances, o que fez com a grande maioria dos licitantes (42) considerasse a quantidade total de postos e o valor anual desses postos, para cada item de seus lances iniciais, informação que só foi sanada após o decurso de vinte minutos da etapa de lances, por meio do chat de mensagens, caracterizando possível infringência objetiva do art. 14, inc. III, do Decreto 10.024/2019 e, reflexamente, prejuízo à seleção da proposta mais vantajosa, princípio licitatório previsto no art. 31 da Lei 13.303/2016;
  3. d) estipulação de intervalo de lances intermediários de R$ 200,00 para todos os itens, o que, considerando a estipulação de lances para quantidades unitárias em cada um deles, faz com que esse valor represente percentual significativo em relação ao valor item licitado, o que pode ter trazido impacto significativo ao certame, prejudicando a obtenção da competitividade e da proposta mais vantajosa, princípios licitatórios previstos no art. 31 da Lei 13.303/2016;

 

  1. Acórdão 1919/2020 – Plenário

A Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) autoriza, sim, o gestor a, discricionariamente, escolher, quando caracterizada uma das hipóteses exaustivas de licitações dispensáveis, enunciadas no seu art. 29, se irá ou não realizar a contratação direta por dispensa de licitação.

Não há, no entanto, discricionariedade na caracterização da hipótese, ou seja, no preenchimento dos requisitos legais para a dispensa de licitação.

Deve-se observar que mesmo as contratações diretas fundamentadas em situações emergenciais necessitam ser precedidas da suficiente fase de planejamento. Esse planejamento, por sua vez, perpassa pela caracterização da situação emergencial e pela justificativa do preço contratado e da escolha do fornecedor, conforme preceitua o art. 30, § 3º, da Lei 13.303/2016.

Verifica-se, então, falha na condução do procedimento. Como já pontuei acima, mesmo que se admita que a fase de planejamento de uma contratação emergencial não seja antecedida por uma completa produção de todos os estudos e projetos recomendados, é de suma importância que os preços estejam devidamente justificados, em consonância com o mandamento legal, nos termos do art. 30, § 3º, da Lei 13.303/2016.

 

  1. Acórdão 2032/2020 – Plenário

9.3. dar ciência à EPL de que a limitação temporal de atestados para comprovação de qualificação técnica restringe o caráter competitivo da licitação, com afronta ao art. 31 da Lei 13.303/201;

  1. Acórdão 2059/2020 – Plenário

1.6.1. Dar ciência à Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) , com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução – TCU 315/2020, de que a ausência de demonstração da inviabilidade técnica e econômica do parcelamento do objeto da licitação em mais lotes e a ausência de demonstração de que a composição dos itens definida atualmente seguiu critérios que permitissem ampliar a participação de licitantes, sem perda de economia de escala, identificada no Pregão Eletrônico 90/2020 para Registro de Preços (PG 60.2020.0712), representam afronta à seguinte legislação: arts. 31, caput (princípio da obtenção da competitividade), e 32, inciso III, da Lei 13.303/2016, além de orientações da jurisprudência consolidada do TCU (Súmula 247 e Acórdãos TCU 2.901/2016 e 247/2017, ambos do Plenário, e, respectivamente, das relatorias dos Ministros Benjamin Zymler e Walton Alencar Rodrigues), para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes;

 

  1. Acórdão 2173/2020 – Plenário

5.1. Apesar de a Lei 13.303/2016 ou o Regulamento de Licitações e Contratos da Petrobras (RLCP) não trazerem expressamente vedação à utilização de robôs, o art. 31 da referida lei traz os princípios norteadores das licitações realizadas pelas empresas públicas, dentre as quais se encontra o princípio da igualdade, o qual é correlato do princípio da isonomia. Quando, num certame, uma ou mais licitantes faz uso de RPA de forma indevida, esse princípio deixa de ser observado, à medida em que a utilização de RPA como vantagem competitiva desigual em relação aos que não o utilizam aumenta significativamente a chance de vitória da licitante, por estar com o melhor lance na maior parte do tempo.

Embora não haja norma específica proibitiva do emprego de robôs no oferecimento de lances em pregões eletrônicos, o TCU considera que o uso abusivo da ferramenta, isto é, quando impede que haja real competição por um operador humano, viola o princípio da isonomia (ou da igualdade) , que deve estar assegurado nas licitações públicas, no termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, c/c o art. 3º, caput, da Lei 8.666/1993, o art. 31, caput, da Lei 13.303/2016 e o art. 2º, caput e § 2º, do Decreto 10.024/2019 (que atualmente regula o pregão eletrônico).

iii) determinar à Petrobras que, no prazo de 60 dias, encaminhe ao TCU plano de ação que contenha a evolução das medidas já adotadas e a previsão daquelas ainda a implementar no sistema Petronect com vistas a anular ou minimizar as vantagens competitivas da utilização de robôs (robotic process automation – RPA) em relação à sua não utilização pelas demais licitantes nos certames realizados naquele ambiente virtual, em atenção à busca da melhor proposta, à competitividade e à isonomia entre participantes no certame, consoante os princípios aplicáveis às licitações promovidas pela Petrobras dispostos no art. 31 da Lei 13.303/2016;

 

  1. Acórdão 9134/2020 – Segunda Câmara

1.8.1. Recomendar ao Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A., com fundamento no art. 11 da Resolução TCU 315/2020, que revise seu processo de planejamento da atividade de auditoria interna, de modo que esta contribua efetivamente para a melhoria dos processos de gerenciamento de riscos da organização, em consonância com o disposto no art. 9º, § 3º, inciso II, da Lei 13.303/2016 e nas normas 2010 (Planejamento) e 2120 (Gerenciamento de Riscos) do conjunto de Normas Internacionais para a Prática Profissional de Auditoria Interna do Instituto dos Auditores Internos, considerando o histórico relativamente alto de inconformidades nas licitações realizadas pela estatal, inclusive ocorridas no exercício de 2018.

1.8.2.5. a inexigibilidade de licitação sem comprovação de inviabilidade de competição, a restrição à competitividade pela indicação de marca de produto e a ausência de fundamentação na prestação de esclarecimentos à empresa licitante, conforme apontado pela Controladoria-Geral da União nos achados 4.1, 4.2 e 4.5 do relatório de auditoria da gestão de 2018, violaram as disposições expressas nos arts. 29, inciso III, e 30, inciso I, da Lei 13.303/2016 e os princípios da motivação e da transparência;

1.8.2.7. a não apresentação, na Carta Anual de Políticas Públicas e Governança Corporativa de 2018, da definição clara dos impactos econômico-financeiros, mensuráveis por meio de indicadores, e da consecução dos objetivos de políticas públicas contraria o disposto no art. 8º, inciso I, da Lei 13.303/2016;

 

Considerações finais

Após relacionar estes 10 Acórdãos que analisaram de alguma maneira a aplicação da Lei nº 13.303/2016, percebe-se que, de fato, a interpretação da Lei das Estatais está amadurecendo, deixando de ser uma legislação prematura e com pouca utilização. Percebe-se, também, o recorrente uso do instituto da representação, noticiando ao TCU as condutas ditas por irregulares.

Apesar de toda dificuldade existente no ano de 2020, o Tribunal de Contas da União acompanhou, de maneira intensa, a aplicação dos institutos trazidos pela Lei das Estatais (seja de governança, seja de contratações), com recomendações baseadas na nova jurisprudência que está se formando acerca da Lei, bem como reafirmando a aplicação da sua jurisprudência já formada sobre licitações e contratos também para os casos que envolvem as empresas públicas e sociedades de economia mista.

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